Meia-noite e Jasmim

Os pingos da chuva aterram na minha pele sufocando cada poro atingido.
Fecho a janela do carro porque parecendo que não a precipitação aumenta fazendo aumentar também a minha irritação. E hoje não me apetece ser alvo de uma invasão de um sentimento desta natureza... Pouca coisa existe que me possa irritar mas chuva miudinha levada pelo vento através de uma pequena abertura da minha janela põe-me os olhos a arder de fúria.
Está uma noite fria.
Fria como eu.
E são criados momentos como este, onde a frieza é imperiosamente necessária. Vejo-a a sair de casa. Caminha em passadas curtas como se não se importasse com a chuva. Traz vestido um casaco em tons de azul que a esta distância me parece feito de uma malha muito fina pois marca-lhe cada curva do seu corpo. Não a censuro, está a chover mas sente-se o calor do Verão. Chuva no Verão! Pff!... Vai deixar de ser anormal termos chuva nesta estação. Está tudo ao contrário. Como a minha cabeça.
Esta mulher, desprotegida, cria-me sede de matança. Serei cobarde?... Mas não consigo arrancar isto de dentro de mim. Faço um esforço visceral para não recuar até à minha infância mas não consigo.
Esta mulher, inofensiva, liberta um aroma no ar que me abre o apetite.
Saio do carro.
Agora até dá gozo levar com esta frescura na cara.
Vejo esta mulher a dobrar a esquina de uma casa. Virou à esquerda. Má escolha. Nunca se sabe se um animal estará à espreita atrás de um caixote do lixo ou assim.
Rua sem iluminação e casas de imigrantes que só aparecem de ano a ano.
Nem precisei de olhar em volta. O meu olfacto diz-me que não existe mais ninguém por perto. Apenas eu e aquele aroma de jasmim.
Constato que faltam cinco minutos para a meia-noite ao dar uma breve espreitadela ao relógio da torre sineira da igreja.
Ela entra no parque e aumenta o ritmo dos passos. Não porque se sinta seguida mas porque o terreno assim o deseja.
Escondo-me por entre as árvores. Deste modo conseguirei ultrapassar e barrar-lhe o caminho. Ela nem sabe o que lhe espera.
No momento mais oportuno apareço-lhe à frente como um animal. Naquele momento consegui ver-lhe o medo estampado na sua face de porcelana, o horror nos seus olhos... Dei-lhe um segundo para se virar. Tinha a intenção de desatar a correr na direcção contrária como um rato foge de um gato. Só lhe ofereci aquele precioso segundo. Aquele segundo em que toda a gente sonha em nunca vir a sentir.
Mas ela teve-o.
Um segundo seguido de uma facada. Num movimento em sentido vertical atingi-lhe a zona do trapézio, entre o pescoço e o ombro.
Uma facada seguida de outra mais fatal que desta vez atingiu o seu lado esquerdo do pescoço. Que pescoço tão lindo, tão apetecível... A lâmina de 15 centímetros enterrou-se completamente na carne tenra desta beleza andante. Devo ter trespassado o pescoço de um lado ao outro ferindo a artéria carótida pois naqueles fugazes segundos geriu-se naquele espaço mórbido um banho de sangue. Jactos de sangue banhavam a terra molhada. Terra molhada que se tornara quente e vermelha. E quando esta mulher tentou tapar desnecessáriamente o pescoço com a mão, como se pudesse estancar aquela hemorragia festiva, dei uso novamente à arma que me acompanha fielmente durante anos. Tive pena de estragar aquelas mãos. Manicure francesa para uma ocasião especial talvez?! Tive de as separar do resto do corpo. Sabia exactamente onde desferir o golpe, naquela zona mais mole do pulso entre as cabeças distais do rádio e do cúbito e os ossos do carpo.
E ela, fraca, não me conseguiu impedir.
Deixei-a ali, a sangrar como um porco.
A tentar pedir socorro com a garganta rasgada.
A neblina que se pôs entretanto separa-me daquele teatro.
Enfio-me dentro do meu carro e agarro o volante. Vejo aquela foto pela décima sexta vez. Fecho o dossier e atiro-o para o banco de trás. Olho para o retrovisor...
- Mas porquê jasmim?... Porquê?! PORQUÊ??!
O frio voltou.
Fecho a janela do carro porque parecendo que não a precipitação aumenta fazendo aumentar também a minha irritação. E hoje não me apetece ser alvo de uma invasão de um sentimento desta natureza... Pouca coisa existe que me possa irritar mas chuva miudinha levada pelo vento através de uma pequena abertura da minha janela põe-me os olhos a arder de fúria.
Está uma noite fria.
Fria como eu.
E são criados momentos como este, onde a frieza é imperiosamente necessária. Vejo-a a sair de casa. Caminha em passadas curtas como se não se importasse com a chuva. Traz vestido um casaco em tons de azul que a esta distância me parece feito de uma malha muito fina pois marca-lhe cada curva do seu corpo. Não a censuro, está a chover mas sente-se o calor do Verão. Chuva no Verão! Pff!... Vai deixar de ser anormal termos chuva nesta estação. Está tudo ao contrário. Como a minha cabeça.
Esta mulher, desprotegida, cria-me sede de matança. Serei cobarde?... Mas não consigo arrancar isto de dentro de mim. Faço um esforço visceral para não recuar até à minha infância mas não consigo.
Esta mulher, inofensiva, liberta um aroma no ar que me abre o apetite.
Saio do carro.
Agora até dá gozo levar com esta frescura na cara.
Vejo esta mulher a dobrar a esquina de uma casa. Virou à esquerda. Má escolha. Nunca se sabe se um animal estará à espreita atrás de um caixote do lixo ou assim.
Rua sem iluminação e casas de imigrantes que só aparecem de ano a ano.
Nem precisei de olhar em volta. O meu olfacto diz-me que não existe mais ninguém por perto. Apenas eu e aquele aroma de jasmim.
Constato que faltam cinco minutos para a meia-noite ao dar uma breve espreitadela ao relógio da torre sineira da igreja.
Ela entra no parque e aumenta o ritmo dos passos. Não porque se sinta seguida mas porque o terreno assim o deseja.
Escondo-me por entre as árvores. Deste modo conseguirei ultrapassar e barrar-lhe o caminho. Ela nem sabe o que lhe espera.
No momento mais oportuno apareço-lhe à frente como um animal. Naquele momento consegui ver-lhe o medo estampado na sua face de porcelana, o horror nos seus olhos... Dei-lhe um segundo para se virar. Tinha a intenção de desatar a correr na direcção contrária como um rato foge de um gato. Só lhe ofereci aquele precioso segundo. Aquele segundo em que toda a gente sonha em nunca vir a sentir.
Mas ela teve-o.
Um segundo seguido de uma facada. Num movimento em sentido vertical atingi-lhe a zona do trapézio, entre o pescoço e o ombro.
Uma facada seguida de outra mais fatal que desta vez atingiu o seu lado esquerdo do pescoço. Que pescoço tão lindo, tão apetecível... A lâmina de 15 centímetros enterrou-se completamente na carne tenra desta beleza andante. Devo ter trespassado o pescoço de um lado ao outro ferindo a artéria carótida pois naqueles fugazes segundos geriu-se naquele espaço mórbido um banho de sangue. Jactos de sangue banhavam a terra molhada. Terra molhada que se tornara quente e vermelha. E quando esta mulher tentou tapar desnecessáriamente o pescoço com a mão, como se pudesse estancar aquela hemorragia festiva, dei uso novamente à arma que me acompanha fielmente durante anos. Tive pena de estragar aquelas mãos. Manicure francesa para uma ocasião especial talvez?! Tive de as separar do resto do corpo. Sabia exactamente onde desferir o golpe, naquela zona mais mole do pulso entre as cabeças distais do rádio e do cúbito e os ossos do carpo.
E ela, fraca, não me conseguiu impedir.
Deixei-a ali, a sangrar como um porco.
A tentar pedir socorro com a garganta rasgada.
A neblina que se pôs entretanto separa-me daquele teatro.
Enfio-me dentro do meu carro e agarro o volante. Vejo aquela foto pela décima sexta vez. Fecho o dossier e atiro-o para o banco de trás. Olho para o retrovisor...
- Mas porquê jasmim?... Porquê?! PORQUÊ??!
O frio voltou.