sexta-feira, julho 13, 2007

O Tempo da Morte


Uma noite de calor estranho ora dentro de quatro paredes ora fora delas.

Esta imagem estática que pende entre o meu polegar e anelar da minha mão esquerda torna-se numa imagem difusa que se entranha no meu coração em putrefacção.
Quem será esta pessoa, esta personagem principal e da vida real desta fotografia?

Sinto água na boca.

Já pouco importa a origem dos meus motivos, os apetites são deuses e senhores da minha própria vontade. Algures nesta noite viajam três almas em direcção do seu próprio pesadelo.
E este calor que teima em importunar-me, dava tudo para estar mergulhado numa banheira entre pedras de gelo.

Levanto-me desta cama que tresanda a suor animal e atiro a fotografia para dentro da segunda gaveta da minha mesinha de cabeceira. Já não tenho sítio para tantas almas devoradas. O meu contador de histórias já se repete quando procura nesta gaveta algo de original. Peço-lhe para procurar bem no fundo do meu inconsciente mas inutilmente. Eu devia saber que para ele sou um livro aberto, para ele sou apenas mais um peão de um jogo preverso que ele teima em jogar.
Entro na banheira mas não encontro o gelo desejado. Tomo um duche de água fria mas mesmo esta não me satisfaz. Há já alguns dias que não ouço o miar do meu gato. Terá morrido? Não interessa. É menos um ser vivo a sujar este antro de morte com vida. Estranha esta maneira de recordar coisas imprevisíveis, que estão fora do contexto local.

Nos próximos dias terei alguém a bater à minha porta.
Teria de me preparar para esse momento, mas como sempre o imprevisível é o meu forte.

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quarta-feira, junho 27, 2007

Meia-noite e Jasmim


Os pingos da chuva aterram na minha pele sufocando cada poro atingido.
Fecho a janela do carro porque parecendo que não a precipitação aumenta fazendo aumentar também a minha irritação. E hoje não me apetece ser alvo de uma invasão de um sentimento desta natureza... Pouca coisa existe que me possa irritar mas chuva miudinha levada pelo vento através de uma pequena abertura da minha janela põe-me os olhos a arder de fúria.

Está uma noite fria.
Fria como eu.
E são criados momentos como este, onde a frieza é imperiosamente necessária. Vejo-a a sair de casa. Caminha em passadas curtas como se não se importasse com a chuva. Traz vestido um casaco em tons de azul que a esta distância me parece feito de uma malha muito fina pois marca-lhe cada curva do seu corpo. Não a censuro, está a chover mas sente-se o calor do Verão. Chuva no Verão! Pff!... Vai deixar de ser anormal termos chuva nesta estação. Está tudo ao contrário. Como a minha cabeça.

Esta mulher, desprotegida, cria-me sede de matança. Serei cobarde?... Mas não consigo arrancar isto de dentro de mim. Faço um esforço visceral para não recuar até à minha infância mas não consigo.

Esta mulher, inofensiva, liberta um aroma no ar que me abre o apetite.

Saio do carro.
Agora até dá gozo levar com esta frescura na cara.
Vejo esta mulher a dobrar a esquina de uma casa. Virou à esquerda. Má escolha. Nunca se sabe se um animal estará à espreita atrás de um caixote do lixo ou assim.
Rua sem iluminação e casas de imigrantes que só aparecem de ano a ano.
Nem precisei de olhar em volta. O meu olfacto diz-me que não existe mais ninguém por perto. Apenas eu e aquele aroma de jasmim.
Constato que faltam cinco minutos para a meia-noite ao dar uma breve espreitadela ao relógio da torre sineira da igreja.
Ela entra no parque e aumenta o ritmo dos passos. Não porque se sinta seguida mas porque o terreno assim o deseja.
Escondo-me por entre as árvores. Deste modo conseguirei ultrapassar e barrar-lhe o caminho. Ela nem sabe o que lhe espera.
No momento mais oportuno apareço-lhe à frente como um animal. Naquele momento consegui ver-lhe o medo estampado na sua face de porcelana, o horror nos seus olhos... Dei-lhe um segundo para se virar. Tinha a intenção de desatar a correr na direcção contrária como um rato foge de um gato. Só lhe ofereci aquele precioso segundo. Aquele segundo em que toda a gente sonha em nunca vir a sentir.
Mas ela teve-o.
Um segundo seguido de uma facada. Num movimento em sentido vertical atingi-lhe a zona do trapézio, entre o pescoço e o ombro.
Uma facada seguida de outra mais fatal que desta vez atingiu o seu lado esquerdo do pescoço. Que pescoço tão lindo, tão apetecível... A lâmina de 15 centímetros enterrou-se completamente na carne tenra desta beleza andante. Devo ter trespassado o pescoço de um lado ao outro ferindo a artéria carótida pois naqueles fugazes segundos geriu-se naquele espaço mórbido um banho de sangue. Jactos de sangue banhavam a terra molhada. Terra molhada que se tornara quente e vermelha. E quando esta mulher tentou tapar desnecessáriamente o pescoço com a mão, como se pudesse estancar aquela hemorragia festiva, dei uso novamente à arma que me acompanha fielmente durante anos. Tive pena de estragar aquelas mãos. Manicure francesa para uma ocasião especial talvez?! Tive de as separar do resto do corpo. Sabia exactamente onde desferir o golpe, naquela zona mais mole do pulso entre as cabeças distais do rádio e do cúbito e os ossos do carpo.
E ela, fraca, não me conseguiu impedir.
Deixei-a ali, a sangrar como um porco.
A tentar pedir socorro com a garganta rasgada.
A neblina que se pôs entretanto separa-me daquele teatro.
Enfio-me dentro do meu carro e agarro o volante. Vejo aquela foto pela décima sexta vez. Fecho o dossier e atiro-o para o banco de trás. Olho para o retrovisor...
- Mas porquê jasmim?... Porquê?! PORQUÊ??!

O frio voltou.


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sábado, maio 19, 2007

Trevas Iluminadas


Depois de acordar de um estado de melancolia generalizada revejo todos os passos errados.

Tenho a sensação de que algo não funciona como deveria.
E este calor que me trespassa a alma que não sossega. Vai e vem activando tudo o que é glândula pelo corpo deixando um odor um tanto ou quanto desagradável.

Que vou eu fazer da minha vida? A morte ainda está longe... Deixo-a lá ficar.
Mas não me sinto bem. Não sou uma pessoa vulgar, com pensamentos vulgares, mas com sentimentos que existem dentro de qualquer um. Talvez puxados a algum extremo, se é que podemos traçar um limite como extremo.
Tenho ficado a olhar para o tecto profundo à espera que a luz se apague e fiquem pequenas letras visíveis no espaço à sua volta, como que mensagens vindas do além.

Escrevo notas do dia de hoje. O meu bloco começa a ficar preenchido e a minha caneta sem tinta. Foi um dia para esquecer. Tédio total complementado com uma angústia nervosa de origem amorosa. Estou a ouvir a melodia de um violino e de um piano sincronizados com o momento mais vago que possam imaginar...
Quero desaparecer.

"E faz grandes sinais, de maneira que até fogo faz descer do céu à terra, à vista dos homens."
Apocalipse 13, 13

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quarta-feira, maio 16, 2007

Pesadelos Intersticiais


Todos os dias vejo as mesmas caras, as mesmas expressões, vivo todas as horas como se andassem continuadamente a carregar no botão replay no meu cérebro, nas minhas memórias mais recentes.
Sinto o cansaço a entranhar-se no meu sistema nervoso central e a alastrar-se para a periferia do meu corpo moribundo. Não fazem sequer ideia do que estou para aqui a escrever mas, bem lá no fundo, a ideia é mesmo essa. O objectivo do incógnito.

Falo com pessoas que transbordam simpatia e apetece-me apertar-lhes o pescoço... Espetar as unhas dos polegares pela carne mole que se aloja por baixo do queixo.
E deixar o sangue escorrer...
Cravar dois murros em cada maçã de adão e ver a boca da vítima a jorrar a substância púrpura com alguma desorganização ventilatória.
Mais uma poça no chão...

Mas que violência desmedida! Estarão os meus guardiões da verdade obscura a abrir a porta que desde sempre conheci fechada? Não conheço os limites da minha mente nem do meu corpo.

Acordo repentinamente.
Adormeci por segundos. Adormeci por tão pouco tempo que nem sei mesmo se adormeci ou se estaria apenas a pensar de olhos fechados. Sinto uma certa confusão por momentos.
Odeio o meu trabalho. Odeio ter a obrigação de dizer Amén por cada vez que um chefe se lembra de me vir chatear a cabeça. Odeio este ambiente de tal maneira que não admira que adormeça em horas de expediente. Consequência de uma cabeça cansada, no limiar da paciência, a resistir à desistência...
Quero ir para casa, de volta para o meu ninho. É nesse sítio especial que me sinto em paz e harmonia. As forças começam a faltar e a vontade de cá voltar já não existe.

Afinal de contas ninguém gosta de ser explorado.

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terça-feira, novembro 07, 2006

Putrefação Sentimental


A miséria da histeria egoísta. O lugar onde o medo se esconde.
Eu moro lá. Mas não me escondo.

O meu plano está obcecado por um só corpo, por uma só mente. Está a ser corroído pelo sentimento incontrolável que é o ciúme. Sabem, aquelas bonecas vodoo? Apetece-me ter uma. E um saquinho cheio de alfinetes, daqueles com super poderes de magia negra. Sinto o meu corpo e alma possuídos por um demónio. Sentir paixão e raiva é uma mistura explosiva, enfurecedora e até deprimente. Tenho insegurança, medo. Sinto a cólera a penetrar o cérebro e a inflamar cada célula morta que se alimentam da minha carne putrefacta.
A decadência é infame.

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quarta-feira, outubro 25, 2006

Carrossel dos loucos


Acordo sob o efeito da embriaguez do sono e arranco do mais profundo esforço o objectivo crucial desta tarde: alcançar a casa-de-banho. Olho para o meu aspecto reflectido. Faço mais um pequeno esforço para tentar abrir os olhos que são atacados ferozmente pelos raios de luz artificial de uma lâmpada comum de 60 watts. Reparo que o tecto deste miserável recanto está cada vez mais negro. Nunca pensei ver aquela superfície anteriormente lisa com aquela tonalidade espessa e pesada.
Entro na cozinha e sinto o cheiro a gato. Pensei eu se desta vez ele teria morrido, talvez à fome, ou por desordem do destino. Não. Era apenas o cheiro de gato que não toma um banho à, pelo menos, um ano. Sem sombra de dúvidas!
Tinha caço, como já se tornou hábito, um rato doméstico. Encontrava-se a pequenos centímetros da pia do gato e estava decepado. Esventrado até.
Sinto o meu corpo a rastejar, a desviar-se das paredes que o resguardam.
Sento-me na cadeira do costume e pego no bloco de notas. A caneta roída estava a fazer-lhe companhia. Começo a desenhar um plano maquiavélico para tentar solucionar um problema derivado da questão. Aquela questão que surge de entre várias outras questões que viajam pelo carrossel dos loucos. Pelo menos é que eu lhe chamo. O carrossel de ideias flamejantes que invadem a alma do mais puro dos mortais. Eu.

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terça-feira, outubro 24, 2006

Génese


Já sinto as gotas de água na cara e ainda não é Inverno. Olho para o chão. Calco folhas de árvores que já viram mais na vida delas do que eu na minha. As minhas extremidades estão frias. Frias como a própria morte.

Que sensação estranha. Viver.
Penso muito acerca da estranha e persistente dúvida da génese do nosso ser. Nascer.

Estou quase em casa. Depois de tantas horas a fazer aquilo que me dá comida para a mesa o que me apetece realmente neste momento é estar na posição horizontal, em cima de um colchão e ter o corpo coberto por um quente cobertor, que me faça sentir de novo a ponta dos dedos das mãos e dos pés. A vida miserável é de quem a faz. Faço tudo para agradar mas nem tudo me sorri, o que faz da frase anterior uma verdadeira treta. Eu tento fazer o melhor que posso durante o caminho que percorro, tento agradar a tudo e a todos, tento ser diferente com cada um para que cada um se sinta especial. Mas a vida quando quer ser miserável, é mesmo e pronto. Um dia mau é sempre um dia mau. Espero agora que um sono descansado me traga nos balõezinhos dos sonhos um bom acordar.
Alma número
Alma número